quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"Biblia segundo Saramago"

Deparando com o Jornal de Notícias de 19 de Outubro passado (p. 4-5), li uma entrevista com “José Saramago”, escritor. Fiquei revoltado, porque ofendido nos meus sentimentos cristãos. Mas é sobretudo em nome de tantos outros cristãos que ficaram ofendidos com as tiradas de Saramago que escrevo estas breves linhas. Por mim, não lhe daria qualquer resposta.
Saramago, apesar da fama inegável que lhe reconhecemos como romancista, não pode julgar-se dono de todos os saberes e de todas as ciências, quando faz afirmações sobre a Bíblia como as que tem repetido estes dias. É que a Bíblia não é um romance – como, possivelmente, ele pensa. Por isso, na qualidade de romancista, o senhor Saramago não pode abrir a boca sobre a interpretação do que desconhece, como se depreende pelas suas palavras: “Nunca fui um leitor assíduo na Bíblia, mas penso que a conheço bastante bem”. Se não a leu e sobretudo não a estudou, como pode afirmar que a conhece bastante bem? Além disso, esta afirmação leva a pensar que Saramago faz uma leitura literalista, fundamentalista, da Bíblia. Logo, Saramago é um fundamentalista, no que toca à leitura da Bíblia. Ele devia saber, como literato que é, que não basta ler a letra do texto. É necessário saber o que ele significa. Afinal, onde é que Saramago estudou as línguas, a história, a geografia, numa palavra, o Sitz im Leben da Bíblia e a exegese bíblica, para afirmar que “conhece bastante bem a Bíblia”? Quem lê um texto e não sabe o que ele significa sofre de iliteracia. Daqui estamos a um passo de concluir que Saramago sofre de iliteracia bíblica. Pelas afirmações que fez, Saramago, em qualquer exame de Bíblia, receberia a nota zero. Portanto, Saramago, em Bíblia, é um zero à esquerda. O pior não é o facto de não saber. Disso está antecipadamente desculpado. O pior é pensar que “sabe bastante bem”.
Uma coisa que Saramago deveria saber bem, como literato, é que a Bíblia – quer ele queira quer não – é, talvez, o maior livro da literatura mundial. Quando um literato afirma o que ele afirmou da Bíblia, é de pasmar; melhor, é de ficar a duvidar se ele alguma vez leu a Bíblia, pela perspectiva literária, sobretudo grandes obras da literatura mundial, como o Javista, Job, o Eclesiastes, Isaías, Ezequiel, Lucas….
Mais ainda, ele afirma tudo isto para mostrar a sua falta de respeito basilar em relação a todos os homens e mulheres religiosos, de todas as religiões, mormente do Judaísmo e Cristianismo, as duas religiões da Bíblia. Para ele, afinal, a Bíblia é apenas a “mina” onde vai buscar temas para fazer romances e ganhar milhões. No fim, ainda vem desprezar as religiões da Bíblia. Não lhe interessa nem o Deus da Bíblia, nem os que acreditam nele, pois afirma claramente que Deus só existe na cabeça das pessoas. Vejam só o que Saramago diz de Deus – não o da Bíblia, mas o da cabeça dele: “Deus é vingativo, rancoroso, má pessoa. O Deus da Bíblia, não é de fiar…”. E aqui temos o verdadeiro Saramago: o ateu, o jacobino, o anti-cristão, que ataca, publicamente, os mais íntimos sentimentos das pessoas simples. Sim, porque as outras não se deixam levar pelos seus “disparates” religiosos. Porque é que Saramago não faz tais afirmações num país muçulmano?
Senhor Saramago, por favor, fale-nos de romances. Não fale do que não conhece, a não ser pela ramagem. Olhe que a rama não é a árvore. E esses alardes de que a história de David e Golias é “uma história mal contada”? Quem se julga, para criticar os escritores da Bíblia e, sobretudo, o que tais “estórias” significam para os seus autores? Por escrever romances no nosso tempo, julga-se capacitado para criticar escritores de há mais de 2000? É que o senhor Saramago, pelo facto de ter ganho o Nobel da Literatura, já acredita ter a última palavra sobre todos os assuntos, mesmo na interpretação da Bíblia.
Mas, os disparates não se ficam por aqui. Para o senhor Saramago, “a Bíblia é um manual de maus costumes”. Vê-se que, da Bíblia, apenas leu “os maus costumes”. Não fez caso dos “bons costumes”, da Bíblia, porque isso não lhe deve interessar mesmo nada! Concedemos a Saramago que a Bíblia tem lá alguns dos nossos “maus costumes”, pois ela é o espelho daquilo que a humanidade foi, é e será no futuro (infelizmente). Portanto, tem lá os meus “maus costumes” e também os “maus costumes” de Saramago, sobretudo o de ofender a consciência religiosa dos cristãos menos elucidados. Sim, porque a mim e a muitísimos outros, Saramago nem sequer consegue ofender, pois dele já não se esperava outra coisa. Mas Saramago acrescenta ainda: “A Bíblia está cheia de horrores e violências, carnificinas…”. Claro está que Saramago só viu isso, porque não quis ver outras coisas, aquelas que fazem da Bíblia o grande livro da humanidade: os Evangelhos, a parábola do bom samaritano, do filho pródigo, São Paulo, e tantos outros textos que são permanentes referências do pensamento humano de milhões de milhões de homens e mulheres de há dois mil anos a esta parte. Até parece que durante 2000 anos todos estiveram errados, e Saramago – o iluminado! – veio agora descobrir a pólvora.
E termino, pois já fiz demasiada propaganda do entrevistado: confesso que Saramago me deixou um sentimento de desilusão. Não por ser ateu, mas por ser petulante e, assim, ofender os outros nas suas mais profundas convicções religiosas. Convidamo-lo a não falar mais destes assuntos, para não ofender as pessoas que (ainda) o admiram como romancista. E que Deus – esse Deus em quem ele não acredita – lhe perdoe.

(Herculano Alves - Sacerdote franciscano, especialista em Sagrada Escritura, tradutor e comentador da Bíblia. Voz Portucalense)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

" Um caminhito completamente novo"



"Bem sabeis, minha Madre, que sempre desejei ser santa.
Mas, ai de mim!

Sempre verifiquei, ao comparar-me com os Santos, que há entre eles e eu a mesma diferença que existe entre uma montanha, cujo cume se perde nos céus, e o obscuro grão de areia pisado pelos pés dos caminhantes.

Em vez de desanimar, disse para comigo: Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis. Posso, portanto, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade.

Fazer-me crescer a mim mesma é impossível; tenho de suportar-me tal como sou, com todas as minhas imperfeições.

Mas quero procurar a maneira de ir para o Céu por um caminhito muito direito, muito curto; um caminhito completamente novo".


Stª Teresinha do Menino Jesus (História de uma Alma)